Capítulo 2 - Plano Fantástico
- Loris Reggiani

- 21 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de mai. de 2020

O senhor caminha pelos corredores. Intrépido, nada pode pará-lo. Caminha, pensa e pensa mais do que caminha.
- Eu preciso de um nome - ele para em frente à janela e observa a cidade lá fora. O Hospital é alto e ele, uma princesa presa no castelo - Mas não o meu nome. Outro nome.
Tosses avançam pelo corredor.
- Eu preciso de um nome que não existe… Como vestes eu me liberto da minha pele antiga e me renovo - ele levanta as mãos em direção ao teto, trêmulas, como se fizesse muita força.
Nesse momento, um enfermeiro passa correndo espremido contra a parede do outro lado, se esforçando ao máximo para não ser notado.
- Me liberte! - grita o senhor.
O enfermeiro para
- Me liberte do meu nome! - com um olhar que atravessa concretos, crava nos olhos do enfermeiro.
- Que nome?
- Obrigado cavalheiro. Você me libertou! A dúvida é um benefício. Siga.
O enfermeiro congela.
O senhor olha para o grande vidro à sua frente. A imagem no grande vidro à sua frente olha para si mesma. Seu reflexo não é mais ele. O reflexo passa a mão sobre a testa como se tirasse o cabelo caído em cima dela.
Memórias de mosaico.
Pedaços sutilmente encaixados.
Ele não está mais lá.
Está na frente do espelho do banheiro, se arrumando para sair. A última penteada no cabelo antes de ir trabalhar no banco.
José. O nome de um sonhador. Um nome de alguém predestinado. Um homem que sonhava em ser arquiteto, mas acabou prestando um concurso público. Hoje ele trabalha no caixa do banco. Sentado, vendo obrigados e fazendo perguntas sem respostas.
“Só isso?”
“Pois, não?”
“Obrigado?”
Dias mais longos que o calendário.
Ele só sonha com a liberdade. Que abdicou enquanto envelhecia.
José tem medo de estar preso na lembrança. Seus dias se aceleram.
“Quando foi que tudo mudou?”
Outra pergunta.
Mas de quem é essa agora? Do José do caixa? Do José do espelho? Do senhor que esqueceu seu nome? Da voz da consciência?
Meu Deus. Cadê José?
- Perdi meu nome - José reflete.
- Que nome? - a voz do enfermeiro ecoa.
- Obrigado novamente cavalheiro - ele se curva ao enfermeiro até aparecer sua bunda - Você é nobre! Vá com Deus. Mas não leve Ele apenas com você. Nós precisamos Dele também!
- É emprestado, rapidinho eu devolvo - diz o enfermeiro em tom de brincadeira para descontrair.
José fecha os punhos e o rosto. Movimenta-se em direção ao enfermeiro ameaçando socá-lo.
- Calma que é brincadeira… - o enfermeiro sai correndo.
Ele estava ali mesmo? Ou o enfermeiro era apenas uma projeção de sua mente para fugir do passado.
De um passado esquecido.
Uma vida que não lhe pertence mais.
Abandonou junto com todo aquele vidro no chão.
Com aquela buzina.
Assustadora.
Ensurdecedora.
Tocando até agora em seus ouvidos.
José atravessava a rua, sua última lembrança começa a rodar ao contrário… ele dá passos, de costas e para trás, em direção à calçada. Alguém grita:
“Cuidado!”
“Meu Deus.”
- Não é seu! Devolva! Eu já pedi! Maldito enfermeiro.
José se confunde com as suas memórias.
Está sozinho no corredor do hospital.
Está confuso. Sai correndo.
- Me soltem. Me larguem e me soltem. - ninguém segura ele. Mesmo assim ele grita e chacoalha os braços.
Ele grita, ele corre.
Corre tanto que volta ao passado. O filme da vida passando em suas lembranças. Ele volta à calçada que estava a pouco tempo… Roupas sociais. Um sorriso de fim de dia.
Escuta a buzina. De novo, cruel. Castigo.
Escuta o freio.
Não escuta mais nada.
Seu corpo é arremessado por um carro que vinha em alta velocidade pela avenida.
Realmente, não escuta mais nada.
Volta para o presente. Corre tanto que abre as portas da entrada do hospital com a testa. Quebra tudo.
“Dói pra caralho!”
Abre os olhos e vê seu eu do passado entrando no hospital. A memória do passado se mistura com a do presente. Uma colcha de retratos.
Se vê esticado na maca, com um respirador e gritando, enfermeiros por todos os lados.
Dói só de lembrar.
“Foi assim que eu vim parar aqui?”
Ele começa a se lembrar... Mas também começa a esquecer.
“Os dias passam meio atropelados.” - ele brincava. Sempre brincava.
Que piada maldita.
José! O concursado bem-humorado. O vizinho que vivia sozinho! O cara que acorda cedo e dorme cedo. Que começa seriados sem terminar! Que se arruma do mesmo jeito todos os dias na frente do espelho… E quantos mais fosse viver. A vida é uma rotina que se repete. É um ciclo que não se pode perceber. Dentro de seu coração, uma insatisfação. Reflexões que ele não pode trazer ao mundo.
Mas agora ele traz.
José, na maca, saindo da ambulância se vê, em pé. Ele do futuro se olhando. Ele se vendo e se perguntando. Ele, se escondendo e se procurando. Fecha os olhos. Estava feio de se ver. Fecha os olhos da mente, você ainda está vendo e é realmente feio.
“Porra José, você não penteou o cabelo!”
“Acabadaço!”
“Encerra essa novela!”
Pouco importa, perde a consciência.
Um carro esmagando seus ossos e o arremessando para longe.
- Todo acidente traz um incidente. - José resmunga na porta do hospital.
- Sim! Essa porta o senhor vai precisar de consertar - a secretária avança, às suas costas, tentando entender o que aconteceu. Por que ele quebrou a porta?
- Abra as suas próprias portas - ele grita.
Ela para, sem entender. Estica as mãos. Vai falar algo. Vai segurá-lo.
Não dá tempo.
José sai correndo, deixando seus chinelos para trás. Volta e pega eles.
“Sempre andei descalço. Mesmo sobre meus sapatos”. O velho reflete. Não mais no espelho. Não mais no vidro. Não mais na memória. No presente. O futuro do passado. O homem de pé, não o homem na maca. Não o homem acorrentado à uma cadeira de escritório.
Não mais.
O homem das repostas. Não o homem das perguntas. José mudou muito em pouco tempo.
- Segurem ele! - Alguém grita.
“Eu tenho uma missão… Na verdade eu tenho várias… Me soltem e me deixem ir. O que trago é maior do que vocês podem suportar” - José pensa.
Fora do hospital.
Longe do hospital.
As ruas vazias.
- Eu estou em outro sonho! Não acredito! NÃO! NÃO ACREDITO!
Um jornal voa pela sua frente. Um nome estranho na manchete.
“COVID-19”.
- O que eu perdi? Além da vida? - José reflete - E que estou recuperando agora.
Ele se teletransporta para a frente do espelho. Acabou de arrumar o cabelo.
- Espero que hoje o dia seja muito bom!
Ele sai, pega o casaco que nunca usa e o dinheiro que nunca gasta.
Ele sai andando.
“O dia de hoje ninguém usou. Ele pode ser seu” - lembra de uma frase que leu na infância.
Foi bem usado. Era o seu último dia como José.











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